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Mostrando postagens de agosto, 2022

"Usufruto de demônios", a lapidação da dor

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  Por Hugo Almeida Nos anos 1970/1980, o escritor Ricardo Ramos (1929-1992) era considerado nos meios literários o maior conhecedor do conto brasileiro contemporâneo. Como sempre houve, hoje existem vários grandes leitores de contos de autores nacionais. Entre os primeiros está Whisner Fraga (Ituiutaba-MG, 1971; vive em São Paulo), também um grande contista, a exemplo do filho de Graciliano Ramos (1892-1953). Desde que criou o canal Acontece nos Livros, no YouTube, há seis anos, Whisner já comentou cerca de 200 obras de ficção, a maioria contos de escritores brasileiros, principalmente publicados por pequenas editoras. Whisner acaba de lançar o seu 12 º livro, Usufruto de demônios  (Ofícios Terrestres Edições), volume de minicontos, alguns editados em vídeos no YouTube. Em 2020, ele havia lançado O que devíamos ter feito (Patuá), contos originais, poéticos e por vezes cruéis. Na nova coletânea, prevalecem o tom e o tema da dor, como da pandemia da Covid-19, mas agora ainda mais incisiv

Usufruto de demônios - um livro síntese

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    Por Krishnamurti Góes dos Anjos (*) Em resenhas anteriores tivemos a oportunidade de salientar certa característica do gênero literário conhecido como conto. São fragmentos de vida. Daí resulta, quando em mãos hábeis, a emergência de um caráter lírico proveniente da força do fragmento. Júlio Cortázar (1914-1984), endossa tal afirmativa, e explica bem o recorte que os contistas podem e devem realizar: ao escolher e limitar uma imagem ou um acontecimento que sejam significativos, e que não só valham por si mesmos, podem causar mais facilmente nos leitores uma espécie de abertura, de fermento que projete a inteligência e a sensibilidade em direção a algo que vai muito além do argumento visual ou literário contido no conto. Quanto à forma que o gênero vem assumindo na atualidade, constatamos verdadeira busca pela síntese, reflexo por certo, de nossa era marcada pelo esfacelamento, fragmentação, velocidade e intensidade. Surgem daí vertentes narrativas que enveredam pelo que ainda difus

A propósito de "o privilégio dos mortos"

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Por Milton Rezende O filme “Bonitinha, mas ordinária”, um clássico do cinema nacional, com bela atuação do saudoso José Wilker e inspirado na célebre peça de Nelson Rodrigues. Mas o bordão/ideia-fixa do filme, que foi repetido diversas vezes pelo personagem Edgard, é “ O mineiro só é solidário no câncer” , frase atribuída a Otto Lara Resende. Esta frase tornou-se icônica, mas não é bem verdade. Entretanto dita pelo ator José Wilker   com tanta e especial ênfase   que eu me recordo até hoje, donde se depreende que a ênfase é tudo. O próprio Drummond tem um verso neste sentido ao dizer “as coisas/que triste são as coisas consideradas sem ênfase” ( in A Flor e a   Náusea). Então, para todos os efeitos, tornou-se realmente verdade que o mineiro só é solidário no câncer. Por extensão poderíamos dizer, alargando o seu horizonte e seu alcance que “ O brasileiro só é solidário no câncer”. Aliás, eu acho que é assim que se encontra no filme, não tenho bem certeza. No romance de Whisner Fr