'Gerúndio a dois': os inusitados encontros entre escritores

Por Bruno Inácio



Recém-lançado pela Folhas de Relva, o livro Gerúndio a dois: Escritores brasileiros contemporâneos conversando com seus pares é uma das coletâneas de contos mais originais e instigantes dos últimos anos. Na obra, como o título já sugere, autores e autoras em evidência no atual cenário literário brasileiro imaginam encontros com escritores e escritoras que admiram. 

Ao longo de pouco mais que 140 páginas, as narrativas transitam com naturalidade entre o cotidiano e o realismo mágico e entre o universo onírico e a intimidade coloquial, num ritmo preciso e contínuo. 

Há, evidentemente, quem prefira os encontros nos sonhos, com conselhos e trocas de experiências, como fazem os autores Vagner Amaro (que dialoga com Machado de Assis) e Marcelo Maluf (que toca bateria com Fernando Sabino). 

Porém, existem encontros bastante inusitados, como no conto em que Thais Lancman recebe ajuda de ninguém menos que Lygia Fagundes Telles para trocar o pneu do carro ou quando Márcia Camargos tem auxílio de Pagu para fugir da repressão em uma manifestação na França. 

Alguns autores e autoras ainda subvertem, no melhor dos sentidos, o que se espera de um conto que faz parte de um livro com essa proposta, como fazem Andrea Nunes, que flerta com o horror ao homenagear Augusto dos Anjos, e Ana Elisa Ribeiro, que se coloca na pele de Clarice Lispector e escreve um texto para lá de bem-humorado.

Outros participantes da coletânea optam por pegar emprestado um conjunto de elementos característicos da escrita dos homenageados, como faz muito bem Eltânia André, ao brincar com o surrealismo que tornou Campos de Carvalho um dos escritores mais originais de sua geração. 

O livro ainda tem histórias em que os autores se unem por algo em comum, como o trabalho de diplomata no caso de Alexandre Vidal Porto e Guimarães Rosa, ou por uma amizade que de fato existe, como a de Andréa del Fuego e Ivana Arruda Leite ou a de Keka Reis e Índigo. 

Também há textos em que o diálogo ocupa papel central, como quando Isadora Sinay vai às compras com Ana C. ou quando Paula Fábrio tenta fazer contato com Hilda Hilst. 

Sérgio Tavares, por sua vez, recorre a uma personagem feminina para narrar a história de uma criança adotada por ela e Murilo Rubião, com direito à referência ao coelho Teleco, célebre criação do autor mineiro. 

Outras referências a obras dos autores homenageados aparecem muitas vezes ao longo do livro, com destaque à nova versão de Quadrilha, de Carlos Drummond de Andrade, apresentada por Maria Valéria Rezende, ou a livros escritos por Dráuzio Varella citados no conto de Santiago Nazarian.

Homenagem

As 28 histórias que compõem o livro organizado por Alexandre Staut (inclusive, uma delas de sua autoria) chamam a atenção pela diversidade em técnicas, estruturas e abordagens e, juntas, fazem uma bela homenagem a autores e autoras que marcaram a literatura brasileira, a partir do olhar atento e sensível de escritores em evidência na atualidade. 

Assim, Gerúndio a dois: Escritores brasileiros contemporâneos conversando com seus pares é bastante eficiente ao confirmar a versatilidade e a originalidade de uma literatura que jamais deixou de viver um grande momento. 





Jornalista, mestre em Comunicação, pós-graduado em Literatura Contemporânea e autor de Desprazeres existenciais em colapso (Patuá) e Desemprego e outras heresias (Sabiá Livros).

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