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Mostrando postagens de fevereiro, 2025

O tamanho da fome

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Que está na romaria dos mutilados Que está na fantasia dos infelizes Que está no dia a dia das meretrizes No plano dos bandidos, dos desvalidos Em todos os sentidos O que será (Chico Buarque) “Você tem fome de quê?” perguntam os Titãs na já clássica canção pop Comida , lançada em 1987. E respondem: “A gente não quer só comida, a gente quer comida, diversão e arte”. Se você tem fome de boa literatura, tenho um prato cheio para lhe oferecer: As fomes inaugurais  (Sinete, 2024), do escritor Whisner Fraga, é um verdadeiro banquete para quem aprecia um bom texto literário. O volume reúne pouco mais de cinquenta pequenos contos que flutuam sobre um mesmo tema: os desvalidos, os invisíveis, os à margem de tudo, os famintos de todo tipo de alimento, para o corpo e para o espírito. Como fragmentos de uma realidade cruel, as pequenas narrativas funcionam como flagrantes trágicos de indivíduos desprezados pela sociedade, mendigos, sem tetos, prostitutas, sujeitos a todas as formas possíveis ...

Caixa de vazios

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A recente publicação de Caixa de vazios  - poesias, da autoria do escritor mineiro (de Uberaba), Vicente Humberto, pela editora Ficções, suscita uma curiosidade oriunda de ideias antagônicas: uma caixa cheia de vazios? Ou uma caixa vazia? Temos portanto já no título, o sentido conotativo (associação subjetiva), além do sentido literal que se poderia esperar. Mas não é isso mesmo que a literatura opera com a linguagem?  Esta que é talvez, a nossa mais cara invenção? Indispensável e bela, a linguagem, entretanto, nunca é estática e absoluta, sempre fluida, sempre múltipla e viva como pássaros em voo. Assim, curiosos, retiramos a tampa dessa caixa de Vicente Humberto pensando de antemão que encontraremos a linguagem revelação de mundos, recriação de mundos. Três compartimentos ou seções dividem a obra:  “Uma árvore quase pronta”, “Fazenda Harmonia” e “Sombra feliz”, a reunir ao todo, 96 poemas. O autor que também é engenheiro de formação constrói uma obra marcada pela simpli...

A poética da ausência

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A coletânea de contos De repente nenhum som , de Bruno Inácio, publicada pela Sabiá Livros, em 2024, traz o silêncio como protagonista das doze narrativas, apresentadas em pouco mais de cem páginas. O leitor não se engane: trata-se de uma obra densa, de múltiplos contornos, interpretações, em que a ausência de som é um elemento crucial para a caracterização das personagens e para a própria construção das tramas. As ficções carregam um lirismo profundo, que utiliza diversas ferramentas para ilustrar os fluxos de consciência, os discursos fragmentados, bem como diversos estilos de composição. O silêncio, nestes minicontos de Bruno Inácio, são uma forma de representação ortográfica, eles mostram não a falta de comunicação, mas uma maneira distinta de expressar experiências e compartilhar sentimentos. Por meio de situações corriqueiras, de interações humanas, o livro aborda assuntos como a família, a perda, a finitude, o amor e, acima de tudo, a busca por significados, por algo que justifi...

“Prisão, flores e luar”: mergulho em busca do eu

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A personagem-narradora do romance de Carla Dias desfia uma série de inquietações, nunca contradições pessoais mesquinhas, mas profundas, angustiosas – e que libertam Poesia se faz apenas com palavras? A uma consulta de um poeta de 24 anos, no “Correio” do semanário Zycie Literackie (Vida Literária), a polonesa Prêmio Nobel Wislawa Szymborsksa (1923-2012) respondeu assim: “Não tente ser poético a qualquer preço: a poeticidade é chata, porque é sempre secundária. A poesia, como, aliás, toda a literatura, retira suas forças vitais do mundo em que vivemos, das vivências realmente vividas, das experiências realmente sofridas e dos pensamentos que nós mesmos pensamos. É preciso descrever o mundo continuamente, porque, afinal, ele não é o mesmo de tempos atrás”. [ Correio literário ou como se tornar (ou não) um escritor , tradução de Eneida Favre, Belo Horizonte, Editora Âyiné, 2024, p. 37]. No recente Prisão, flores e luar (Sinete, 2024), Carla Dias [Santo André, 1970; vive em São Paulo] ...