A poética da ausência


A coletânea de contos De repente nenhum som, de Bruno Inácio, publicada pela Sabiá Livros, em 2024, traz o silêncio como protagonista das doze narrativas, apresentadas em pouco mais de cem páginas. O leitor não se engane: trata-se de uma obra densa, de múltiplos contornos, interpretações, em que a ausência de som é um elemento crucial para a caracterização das personagens e para a própria construção das tramas. As ficções carregam um lirismo profundo, que utiliza diversas ferramentas para ilustrar os fluxos de consciência, os discursos fragmentados, bem como diversos estilos de composição.
O silêncio, nestes minicontos de Bruno Inácio, são uma forma de representação ortográfica, eles mostram não a falta de comunicação, mas uma maneira distinta de expressar experiências e compartilhar sentimentos. Por meio de situações corriqueiras, de interações humanas, o livro aborda assuntos como a família, a perda, a finitude, o amor e, acima de tudo, a busca por significados, por algo que justifique a condição humana.

Ao trazer a epígrafe de uma canção de Cazuza, a obra sugere uma pausa, uma ruptura com a agitação cotidiana, um pós-festa que chega em determinado momento da vida, levando as personagens à introspecção e à reflexão sobre a solidão, a incomunicabilidade e a memória. O conto de abertura propõe os espaços entre diálogos como mediadores de um relacionamento entre pai e filho. Essa mediação da mudez exige outros diálogos: os corpos se compreendem, se perdoam e aceitam as diferenças. 

“Urgência de aspas” apresenta ao leitor um diálogo metalinguístico em que Bruno mostra as diferentes formas de se pontuar o próprio diálogo, que está acontecendo. É uma discussão bem-humorada e necessária sobre o próprio ofício da escrita, sobre o impacto da pontuação no ritmo, na urgência e, em última análise, na compreensão da narrativa. Os símbolos são intermediários no processo de entendimento, podendo, como no caso deste conto, até trazer desconforto ao leitor, conforme é representado.

A metalinguagem, aliás, é um dos recursos muito bem utilizados por Bruno Inácio, como ocorre, também, em “Lacunas”, que narra a dificuldade de um escritor, transitando entre o real e o onírico, de lidar com a própria natureza da escrita, com os hiatos inerentes às obras de arte, os recomeços, a incessante busca por uma voz autêntica, que realmente tenha algo a dizer. A volta à realidade acentua uma vergonha do protagonista, o narrador em primeira pessoa, pela incapacidade de exteriorizar coisas úteis, lugares comuns, principalmente diante de situações-limites.

“Seis minutos de análise no novo divã” retrata uma sessão de terapia em que o paciente tenta lidar com a morte de sua terapeuta. O conto se inicia com a resistência da personagem diante da mudança, representada pelo novo consultório. O terapeuta não tem voz, mas sabemos que ele interfere no relato, pontuado pela advertência “(Intervenção)”. Sem dúvida, um recurso bastante transgressor.

De repente nenhum som nos convida a pensar sobre os ruídos que determinam nossas vidas, sobre as formas de silenciá-los, a necessidade, até, sobre desacelerar, observar os detalhes e resgatar o significado dos pequenos recados. Por isso o miniconto é o suporte ideal para estas histórias, permeadas por uma sensação de ruptura, de resgaste de diversas culpas e pela busca incansável por perdão. A obra destoa do que está em voga na literatura brasileira contemporânea, porque traz temas universais, sem se descuidar da linguagem. O apuro é a marca registrada aqui.

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Whisner Fraga nasceu em Ituiutaba, MG (1971) e atualmente reside em São Paulo. Formado em Engenharia Mecânica, Pedagogia e Marketing Digital, é professor universitário e autor de mais de uma dezena de livros de ficção, tendo contos traduzidos para o inglês, alemão e árabe. Escreve para o coletivo Crônica do dia e mantém o canal Acontece nos livros, no YouTube, em que resenha obras de escritores contemporâneos. É editor na Sinete.


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