Banco vazio


“Banco vazio” é uma coletânea de textos breves que compõem a obra de estreia na literatura do senhor Welington Souza.  O autor baiano reúne pequenos textos ficcionais que se alternam entre os gêneros da crônica, e do conto breve, agrupados em capítulos sob os títulos de “vivências”, “lembranças”, “recomeço” e “devaneios”.  Na crônica de Souza encontramos acontecimentos e reflexões da vida ali do rés-do-chão, resgatados da memória de um protagonista/autor que repassa sua trajetória de vida desde a infância pobre no interior da Bahia, até o encontro com uma maturidade existencial que lhe permite (a ele e a nós leitores), estabelecer ou ressignificar a dimensão de coisas e pessoas com quem tivemos a sina de compartilhar nossas existências. Outros textos se inclinam para o gênero do conto - ainda que de modo embrionário -, com esboços de enredos, conflitos e desfechos sempre de teor instrutivo e reflexivo. São textos muito singelos, vertidos em uma linguagem simples e coloquial, que em lugar de oferecer cenários magníficos, revoada de adjetivos e períodos candentes, se vale de pequenos acontecimentos para neles divisar uma grandeza, uma beleza ou uma singularidade insuspeitada.

Merece destaque na obra a evocação da memória como elemento forjador da personalidade, sobretudo em acontecimentos de épocas marcantes envolvendo a figura paterna com suas atitudes conflitantes que marcaram a vida do narrador. O abandono da família em um dia de chuva, se contrabalança com gestos de carinho como o de construir um barquinho de papel para o filho, e vai desaguar na esteira do tempo que não para, na circunstância limite de uma enfermidade cruel e fatal que vitima o pai.

Assim a memória recriada em processo dinâmico vai moldando a forma como percebemos o mundo. Nesse ato consciente e elaborado de recolher os incontáveis fenômenos de nossa existência imprimindo-lhes uma força unificadora que impede que nossa consciência se estilhace em tantos fragmentos quantos os segundos já vividos. Essa a estupenda capacidade que só nossa espécie possui de adquirir, armazenar e evocar informações, que se ligam, conforme nosso desejo, a estabelecer fecundo espaço de aprendizagem. A literatura, por meio de seu caráter ficcional, oferece ao leitor um lugar entre a imaginação literária e a realidade do mundo, o que possibilita o reconhecimento de questões sociais e do lugar do próprio homem na sociedade. Em suma; lembrar a vida é refletir, é transformar-se.

“Banco vazio” tem cunho memorialístico, autobiográfico, na qual Souza relata também o relacionamento com pessoas de seu círculo familiar e social e os espaços em que viveu. Nesse processo psicológico fundamental que é a memória, o leitor vai sendo apresentado a detalhes de uma infância vivida no contato próximo com a natureza e os animais, os pés descalços que pisam a terra, os quintais sem muros... As sandálias de borracha comida nos calcanhares de tanto uso, as delícias das frutas colhidas no pé das árvores, as brincadeiras infantis, como a de sonhar em ser um super-herói. Desses pequenos cenários, somos transportados para a realidade do homem adulto na qual assistimos e sentimos no texto “Olhar” a perplexidade e indignação do policial que trabalha com policiamento ostensivo das ruas ao observar o brutal fosso social que nos divide e perpetua a sorte infeliz dos descendentes de escravos abandonados a vagar pelas ruas há séculos. Ou a alvissareira visita de um gafanhoto verde, sinal de boa sorte, renovação e mudanças que invade a casa em um momento de perda e dor, como acontece em “Fotografia”.

Tudo em um clima de emoção latente como observamos as insondáveis facetas desse fenômeno a que chamamos vida que, ao mesmo tempo em que presenciamos a finitude iminente de uma vida, se anuncia o nascimento de outra vida (um filho), como o leitor encontra em “O último sorriso”.  Para ao final e ao cabo da obra, lermos o belíssimo texto que fecha o volume, uma tocante dedicatória “Aos que se foram”. O autor inglês Lewis Carroll pergunta-nos em um de seus livros: Quanto tempo dura o eterno? Os textos do senhor Wellington Souza levam-nos a refletir que o valor das coisas não está no tempo que elas duram, mas na intensidade com que acontecem. Por isso existem momentos inesquecíveis, coisas inexplicáveis e pessoas incomparáveis. Para percebermos isto, às vezes, basta olhar para um simples banco de praça vazio. E isto leva apenas alguns segundos...

Trecho: 

“O sentimento que fica em nós tem a proporção da intensidade das lembranças de quem nos deixou. Bebi do copo da existência e das experiências de meu pai e o ajudei a suportar a dor em seus instantes finais. Contemplar o banco me fez chorar mais do que a visão de seu corpo em um caixão. Meu pai habita um lugar repleto de significados, não dentro de uma caixa de madeira, sem histórias para contar.”

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Banco vazio, contos de Welington Souza. São Paulo: Editora Sinete, 2025.

Link para compra e pronto envio: editorasinete.com.br/banco-vazio

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Krishnamurti Góes dos Anjos tem publicados os livros: Il Crime dei Caminho Novo – Romance Histórico, Gato de Telhado – Contos, Um Novo Século – Contos, Embriagado Intelecto e outros contosDoze Contos & meio PoemaÀ flor da pele – Contos e Destinos que se cruzam - Romance. Participou de 30 Coletâneas e antologias, algumas resultantes de Prêmios Literários. Há textos seus publicados em revistas no Brasil, Argentina, Chile, Peru, Venezuela, Panamá, México e Espanha. Seu último romance publicado pela editora portuguesa Chiado – O Touro do rebanho – Romance histórico, obteve o primeiro lugar no Concurso Internacional - Prêmio José de Alencar, da União Brasileira de Escritores UBE/RJ em 2014, na categoria Romance. Colabora regularmente com resenhas, contos e ensaios em diversos sites e publicações. Atuando com a crítica literária, resenhou mais de 350 obras de literatura brasileira contemporânea veiculadas em diversos jornais, revistas e sites literários.  

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