Palavras para dias de chuva [& para outros dias também]
Em nota introdutória, o autor pontua que os poemas foram agrupados em temas que se relacionam. “Na parte 1, por exemplo, há uma série de poemas que provocam a ideia de cadência cronológica; o entardecer, o advento da noite, a madrugada e o despertar”. Esse ‘despertar’ a que o autor se refere, não é apenas o despertar do sono, mas o desabrochar de percepções, sobretudo aquelas que obliteram nossa consciência no mundo atual. O medo que nos assola por exemplo.
Poema Vitória (p.21).
‘Medo’. Uma palavra que se repete em vários outros poemas. Por que a sensação de medo embaraça nossa liberdade de pensar criticamente? Como ele leva as pessoas a se isolarem dos seus semelhantes, favorecendo inclusive, e em larga medida, o surgimento de regimes autoritários? É sentimento que torna as pessoas inseguras e inertes quanto às mudanças reais e radicais de que necessitamos. Esses os “espectros travessos do medo” que nos assolam em nossos dias nublados de copiosas chuvas éticas, de invernosos e desumanos dias. Adiante:
Poema Autômatos (p. 34).
O espírito de rebanho ventilado no poema acima, nos alerta para o comportamento coletivo onde indivíduos seguem a maioria sem questionar, muitas vezes por medo de exclusão, ou pela ilusão de segurança. Isso ocorre em decisões sociais, políticas e até econômicas, levando à conformidade e à repetição de ações sem a menor reflexão crítica. Um verdadeiro condicionamento. Vivemos verdadeiramente um tempo difícil no qual muitos de nós têm medo de defender o óbvio por simples medo (olha o medo novamente), de serem ‘cancelados’ ou taxados de intransigentes. Daí vamos à costumeira omissão, a covardia silenciosa. Está certo Espinoza quando afirmou que “o medo é o afeto que mais facilmente subjuga a razão”. Chegamos à triste conclusão de que, quando o óbvio precisa ser explicado, o irracional já vem prevalecendo sob a égide de um hedonismo cognitivo que confunde ceticismo com ignorância ativa. Não buscamos mais a verdade, buscamos o conforto. Isso leva àquilo a que Hannah Arendt advertiu. Embarcamos na tempestade da banalização do mal, de fazer parte de absurdos, sem sequer nos darmos conta. Somos levados pela enxurrada dos discursos vazios, e pior; tudo se relativiza num alinhamento tribal medonho. O sentido do que é “óbvio” passa a ser campo fértil de manipulação, servidão voluntária, e histeria. Assim mesmo, nessa ordem. Eis o mal-estar num mundo de solidão existencial, desigualdade, preconceito, intolerância e falta de empatia. O mal-estar geral nos empurra para a paráfrase de Manuel Bandeira: “vou-me embora pra Passárgada, / lá não conheço ninguém.”
Poema Sala de estar (p.48).
Certa melancolia está presente em alguns textos, bem como os questionamentos existenciais. “Temas que caberiam perfeitamente na escola simbolista” nos adverte ainda o autor, em nota introdutória. Mas se os simbolistas de fins de século XIX buscavam a oposição ao racionalismo, ao materialismo e ao cientificismo, via de regra, distanciados de questões sociais, é impensável hoje uma tal atitude, visto que o ‘leite já derramou’, e estamos a viver nesse verdadeiro hospício a céu aberto. Permanece todavia, e com que força, no autor paulistano a valorização do inconsciente e do consciente humano. Mas há também...
A esperança (p.58).
A poesia de Rodrigo tem o poder de nos recordar um pequeno detalhe da natureza: em dias chuvosos, o arco-íris aparece com todo seu esplendor, sussurrando que dias melhores hão de vir. Ser feliz exige consciência, exige transformação, exige coragem.
Poema Nova tela (p.78).
Quando me libertar do casulo, / onde a matéria densa é senhora, / e desfigurar a carne imolada, apodrecida, / voarei livre ao desconhecido, / onde os átomos primordiais, / portadores das múltiplas experiências, / pincelarão o éter com novos matizes, / para que renasça uma nova tela.
Ao fim dessa pequena grande obra, que cabe numa bolsa, perdura no leitor um sentimento de “quero mais”, sinal que o autor feriu a tecla certa. Aguardamos portanto, e com expectativa, novas produções do senhor Scott.
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Palavras para dias de chuva, poesia de Rodrigo Scott. São Paulo: Editora Sinete, 2025.
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Krishnamurti Góes dos Anjos tem publicados os livros: Il Crime dei Caminho Novo – Romance Histórico, Gato de Telhado – Contos, Um Novo Século – Contos, Embriagado Intelecto e outros contos, Doze Contos & meio Poema, À flor da pele – Contos e Destinos que se cruzam - Romance. Participou de 30 Coletâneas e antologias, algumas resultantes de Prêmios Literários. Há textos seus publicados em revistas no Brasil, Argentina, Chile, Peru, Venezuela, Panamá, México e Espanha. Seu último romance publicado pela editora portuguesa Chiado – O Touro do rebanho – Romance histórico, obteve o primeiro lugar no Concurso Internacional - Prêmio José de Alencar, da União Brasileira de Escritores UBE/RJ em 2014, na categoria Romance. Colabora regularmente com resenhas, contos e ensaios em diversos sites e publicações. Atuando com a crítica literária, resenhou mais de 350 obras de literatura brasileira contemporânea veiculadas em diversos jornais, revistas e sites literários.
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